sábado, 17 de outubro de 2009

Portsugar 2009, Castelo Branco

O maior encontro mundial de coleccionadores de pacotes de açúcar realiza-se anualmente em Portugal. O Clube Português de coleccionadores de Pacotes de Açúcar, CLUPAC, com quase meio milhar de sócios, é a entidade organizadora do evento, entitulado Portsugar (marca registada). Quem diria que um passatempo tão discreto tivesse este grau de seriedade?! Assim é, para bem da sanidade mental dos aficionados deste tipo de coleccionismo, que lhes permite uma fuga à realidade do dia-a-dia.
Este ano coube a Castelo Branco receber-nos, a 19 e 20 de Setembro. E que bem o fez! E que bem ficámos no Tryp Colina do Castelo! O evento teve lugar pela primeira vez num empreendimento turístico (Quinta da Dança), o que veio a revelar-se uma decisão excelente, pois permitiu que todas as actividades decorressem num espaço amplo e adaptado às necessidades do evento - não é fácil acomodar duas centenas e meia de coleccionadores e respectivos acompanhantes, nem desenvolver as actividades paralelas que o evento encerra: recolha de sangue, recolha de açúcar para oferta a instituições de solidariedade social, mostras de artesanato e produtos gastronómicos...
O coleccionador de pacotes de açúcar, como todo o coleccionador em geral, deseja ter a maior, a mais bonita, a mais interessante das colecções. Mas essa é a face visível do afã de coleccionar. No fundo, o que procuramos todos é conviver, criar e reforçar laços de amizade.
Eis a prova disso mesmo: sábado, dia do encontro de trocas; e domingo, com um Peddy-Paper albicastrense. De regresso, um desvio até Idanha-a-Nova para conforto do estômago. Venha o Portsugar 2010 (em Elvas, segundo consta), com os bons amigos de sempre!


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terça-feira, 12 de maio de 2009

Bourse de Laurac

Mais uma viagem, mais um encontro de coleccionadores, mais uma aventura inefável.
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3500 quilómetros de ida e volta, duas noites de estrada sem dormir, quatro dias de sonho.
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A 5ème Bourse Glycophile Internationale de Laurac (pequena vila no centro-sul de França, perto do belíssimo rio Ardèche - sobre o qual já aqui escrevi) realizou-se na vila de Rosières, entre Aubenas e Joyeuse, no passado dia 2 de Maio. Não fosse o feriado do dia anterior e ter-nos-ia sido impossível estarmos presentes. Viva o dia do trabalhador! Viva o lazer! Viva a amizade!



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E foi com dois amigos coleccionadores dispostos a dividir despesas que partimos à meia-noite de um dia de trabalho desgastante para 18 horas de viagem e poucas paragens. Uma tirada tão sem fôlego como a frase anterior. Mas perfeitinha, cheia de histórias de coleccionismo, cafés fraquinhos, um almoço regadinho com vinho branco alentejano fresquinho (abençoada geleira!) e um milímetro a menos no rodado dos pneumáticos. Não há bela sem senão ou, como diriam os nossos amigos gauleses, pas de plaisir sans peine.
Chegámos a casa por volta das oito da tarde: uma magnífica mobile home no parque de campismo Beaume Giraud. A Madame Balazuc (proprietária do parque) e o Vincent Penel, organizadores do encontro, esperávam-nos, simpatiquíssimos. Acabámos a noite à volta da sua mesa, entre outros coleccionadores e familiares, depois de jantarmos na mobile home os restos de bacalhau frito, bolinhos de bacalhau e panados que trouxéramos de Portugal, acompanhados de um arrozinho de tomate solto - feito em esturgido de manteiga (o azeite ficara em casa)! Ofereceram-nos uma sobremesa-digestivo típica: ameixas maceradas em vinho tinto. Nada mau, para quem já só conseguia manter os olhos abertos com o esforço de comunicar em franglês.
Acordámos em beleza! Depois de um pequeno almoço reforçado, o paraíso: a Madame Balazuc colocou-nos à disposição uma dezena de caixas de pacotes de açúcar para que embolsássemos à vontade as nossas preferências. Uma hora de puro entretenimento para nós e de segundo sono para a mais-que-tudo, merecidíssimo pelo esforço de me acompanhar.
Passámos o resto do dia em passeio pelas Gorges d'Ardèche e em Balazuc, uma village de character. Aqui foi dado o pontapé de saída do encontro, com um apéritif dïnatoire no café Chez Paullete. Oportunidade para afiar a língua com o polimento de vários idiomas e para reencontrar amigos destas andanças. Na verdade, a abertura de hostilidades foi feita com um intragável (mas omnipresente) Ricard pastis, seguido de vinho rosé, Porto e Cognac. Uns salgadinhos de pouca substância serviram para começar a enganar a fome; seguiram-se uma fatias magrinhas de pizza (razoável), uma fatiazinha de pão branco com paté e uns pedacinhos de caillette, uma espécie de enchido da região, feito com vegetais, ervas, carne de porco e miúdos, e que obteve uma reprovação unânime. O gosto treina-se, é verdade, mas viemos sem tempo para isso. E tempo foi o que nos faltou para podermos compensar estas francesisses com um jantar à portuguesa, por isso acabámos a noite no McDonald's de Aubenas. Não fosse isso, o Romeu Lopes e o Romeu Barros ter-se-iam enforcado de desespero estomacal durante a noite, o que seria uma verdadeira perda de peso para o mungo glicófilo.
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E o grande dia chegou: pelas nove da manhã já estávamos na fila de coleccionadores e acompanhantes de acesso ao pavilhão onde se realizaria o encontro de trocas. Presentes 120 coleccionadores de 11 países: Portugal (O Carlos Barata foi outro dos que se fez a caminho), Espanha, Andorra, França, Bélgica, Itália, Alemanha, Inglaterra, Dinamarca, Hungria e República Checa. Um festim de idiomas, de abordagens ao coleccionismo de pacotes de açúcar e de cultura. Apesar de uma recolha substancial de exemplares para a minha colecção e para futuras trocas, os pacotes acabaram por ser o menos importante: o ambiente familiar que caracterizou todo o evento, a troca de impressões e o convívio foram extraordinários. Em quatro dias esquecemos todas as pequenas agruras do dia-a-dia, do trabalho e da hipocrisia política. Do almoço volante não reza grande história (ai se os Romeus pudessem escrevinhar aqui as suas lamentações...!), a não ser o seu carácter relaxado: comemos nas mesas de exposição, num silêncio estranho: não pela introspecção dos comensais, seguramente pouco deliciados com as iguarias coloridas dos tabuleiros padronizados, mas mais pelo contraste com o ruído feliz que nos assoberbou durante toda a manhã. Depois do encontro, e enquanto esperávamos pela hora do jantar, a ser servido no mesmo pavilhão, completamente transformado para o efeito, deliciámo-nos com uma cervejinha fresca numa esplanada local e entretivémo-nos com a busca de trevos de 4 folhas, como se, para além da felicidade de ali estar, ainda precisássemos de mais sorte. Secretamente, calculo, rezávamos todos por um cozidinho à portuguesa...
As hostilidades do jantar-convívio abriram com mais uma mistela francesa: uma espécie de aguardente licorosa misturada com 4/5 de vinho branco. A ementa de seis "pratos" deixou-nos expectantes, fazendo-nos esquecer a bebida fraquinha que bebericávamos por entre conversas de circunstância e fotografias com coleccionadores amigos, até que, de forma algo impositiva mas confiante, os coleccionadores húngaros (homens de bigode farto e carne nutrida), começaram a encher os nossos copos com aguardentes e licores magiares de altíssima qualidade, por entre palavras absolutamente incompreensíveis: falavam para nós em húngaro, como se fôssemos seus amigos de infância; ainda tentámos ajeitar a conversa com algumas palavras em inglês, espanhol, francês e alemão, mas sem efeito: pareceu-nos evidente que já tinham despachado algumas garrafitas daqueles néctares fabulosos às escondidas antes do jantar, pelo que o único meio de comunicação efectivo foi de natureza líquida.
De imediato, a performance dos diálogos circunstantes subiu de tom e assumiu matizes mais enlevados. A salada que abriu a contenda obteve nota alta, o que ajudou a esquecer o "experimentalismo" dos "pratos" seguintes, mais de encher o olho do que propriamente de fartança. Em todo o caso, aquelas aguardentes, senhores, aquelas aguardentes fizeram esquecer tudo! O nosso amigo Romeu Lopes, que já estava desesperado por se lhe terem acabado os cigarros e por não haver outros fumadores visíveis, perdeu completamente a cabeça: invadiu a cozinha e literalmente "assaltou" os funcionários da empresa de catering. Devem ter tido dó do homem: a cara de felicidade quando nos apresentou um cigarrito enrolado, cheio de orgulho pelo seu feito... Mas se bem o conhecem, um cigarro dá-lhe para meia hora: esperávamos pelo terceiro ou quarto prato, emborcada a quarta ou quinta ronda de néctares húngaros, e encheu-se de coragem; saiu do pavilhão e palmilhou as ruas de Rosières em busca do vil vício. Desta vez, as vítimas foram pacatos cidadãos franceses que faziam fila à porta do cinema local... Estes portugueses! Foi com estas peripécias que a noite se desenrolou: inebriada, leve, embalada pelas canções tradicionais húngaras com que um jovem magiar nos entreteve e a música dos anos setenta e oitenta (quase tudo em versões de língua francesa) que o DJ contratado seleccionou para arrastar os mais arrojados a exibir os seus dotes na pista improvisada.
De regresso à nossa mobile home, mais para o lado de lá do que para o de cá, imaginem o que fizemos? Pois claro: ainda perdemos mais uma horinha a escrutinar os pacotinhos trocados durante o evento, entre os Ai Jesus! do Romeu Lopes, que jurava nunca ter bebido aguardente tão boa nem alguma vez ter ficado naquele estado, e que costumava ter mais resistência e tal, e que precisava de apanhar um pouco de ar, e Ai Jesus! que ainda ia ter uma síncope... O Romeu Barros e eu ainda pensámos em assaltar-lhe o saco dos pacotes durante a noite, mas acabámos por decidir que as saudades da aguardente já seriam causa de grande sofrimento...



E lá arrancámos de volta a terras lusas, pelas dez da manhã de domingo. Felizes e com vontade de repetir a loucura. Não faltaram peripécias na viagem de regresso, como um desvio a Lourdes que nos fez subir a adrenalina como só as trocas de pacotinhos conseguem: não por razões espirituais (vá lá, também essas, que o santuário até é bonito e isso) mas porque acabámos, no regresso à auto-estrada, com o combustível a zero, mesmo antes da primeira estação de serviço, e o bólide a percorrer os últimos metros à força de Pais-Nossos e Avé-Marias. Isto porque, ao domingo, as estações de serviço fora das auto-estradas só nos servem o imprescindível líquido com pré-pagamento a cartão de crédito; quer dizer, com um qualquer cartão franciu (a carte bleu, pelos vistos), pois os nossos foram todos rejeitados. Foi com o recontar destas aventuras que afugentámos o soninho até chegarmos às sete e meia da manhã de segunda-feira, pouco antes de retomar as rotinas do trabalho, esse vil amigo.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Obrigado, Javi!

No passado mês de Agosto saímos para mais um périplo ibérico. Destino: Andaluzia. Pelo caminho, e para aproveitar ao máximo as duas semanas de descanso, nada como tropeçar em algumas cafetarias, bares e restaurantes que me disponibilizassem mais alguns exemplares de pacotes de açúcar para a colecção. Para o que contei com toda a paciência e conivência da minha mais-que-tudo.
No final da viagem foram dezenas (entre repetidos, obviamente) os pacotes Camelo e Delta amealhados, mas houve um, em particular, cuja obtenção fez por merecer uma história neste blogue. Nada de extraordinário em si, mas que revela os perigos, as surpresas, o inusitado destas saídas à caça dos nossos bem-amados pacotinhos. Aconteceu em Guijuelo, a sul de Salamanca, na Cafetería Javi:


Chegámos ao modesto pueblo antes do meio-dia. Por azar - ou sorte -, era dia de feira, o que dificultou a procura da Javi, para não falar do estacionamento. Aproveitámos a oportunidade para um passeio por entre as tendas e mesas do mercadillo (a mais-que-tudo precisa destes mimos, caso contrário, não benificiaria da sua eterna paciência para estas lides), onde se expunha de tudo um pouco, certamente - a maior parte - de origem duvidosa. Arrematámos 4 camisetes Lacoste impecáveis por 40 euros. Nada mau para um desvio imprevisto!
A Cafetería Javi, afinal, ficava à entrada de Guijuelo, junto a uma gasolinera, informou-nos um agente da polícia local. A palavra cafetería em Espanha tem um sentido algo menos pretencioso do que o seu equivalente em português. Na verdade, não passava de um café ao lado de uma estação de serviço pequena. Ao balcão, dois amigos do dono emborcavam uma cerveja enquanto petiscavam uma qualquer tapa e trocavam com este umas graçolas inofensivas. Pedimos dois cafés, enquanto contávamos as dezenas de pacotes rasgados espalhados pelo chão, entre todo o lixo acumulável neste tipo de tascos em algumas partes de Espanha. Era ele - o pacote que procurava! Soube bem o café - e nem precisava de ser português! Escutámos durante algum tempo as tiradas dos amigalhaços, aparentemente já bem regadinhos - dono incluído.
Levantámo-nos para pagar ao balcão, tendo antes sacado de uma fotocópia que trazia com a imagem do pacote. Tencionava explicar ao Javi (presumivelmente o nome do dono do estabelecimento) que era coleccionador e que tinha ali passado de propósito em busca daquele pacote em particular e que me davam jeito alguns repetidos e que... Não foi necessária: após pedir-lhe mais alguns pacotes (o mais naturalmente possível, como se fossem para uma necessidade urgente de um familiar diabético), virou-nos costas, dirigiu-se à máquina de café, retirou a gaveta que se encontrava no móvel que a sustentava e, num abrir e fechar de olhos, despejou-a sobre o balcão e pelo chão - de tal modo que creio que, se não demos um passo atrás do susto, foi como se o tivéssemos dado em espírito. Aqui los tienes. Llevatelos todos!
Não sabia o que dizer. Parecia zangado, como se tivesse sido a milésima vez que lhe haviam feito aquele pedido (o que era muito improvável). Na realidade, creio que foi o estado enlevado em que já se encontrava que o fez ter aquela atitude. E constatei-o quando, tentando amenizar o momento, lhe estendi a imagem do pacote e lhe disse que era conhecido de muitos coleccionadores em Portugal. Mostrei-lhe também o catálogo de pacotes de Marcas de Café Portuguesas Internacionalizadas, em que já tinha incluído o Javi. Foi uma festa! Chamou a mulher que estava na cozinha, aparentemente sua companheira: mira, mira... el sobre ya lo conocen en Portugal! Perguntou-me se precisava de mais, depois de os termos recolhido e apanhado pacientemente. Respondi-lhe que eram mais do que suficientes. Que muito obrigado. Que foi muito simpático da sua parte, e tal. Despedimo-nos. Os amigos disseram-nos adeus, ainda espantados pelo sucedido e decerto a rirem-se interiormente da tonteria que é coleccionar pacotes de açúcar. Não imaginariam a alegria com que saímos. Objectivo atingido x 54. 54 pacotes! E um não sei quê de frisson - que é o alimento favorito de qualquer coleccionador.
Obrigado, Javi!