Por várias vezes já aqui escrevi sobre a riqueza cultural destes objectos de coleccionismo. Em boa verdade, o pacote de açúcar nada fica a dever ao selo, à moeda ou a qualquer outro objecto assim estimado como fonte de conhecimento. Podemos ler e ver muito da história de Portugal e do mundo nestes objectos tão insignificantes...
Um bom exemplo disso são os pacotes de açúcar na imagem, com cerca de quarenta anos. São embalados em papel celofane transparente (dentro do qual se colocou um pedaço de papel branco para realçar a sua legendagem) e à primeira vista, sobretudo para quem anda neste mundo há menos tempo, poderão causar alguma incredulidade, pois neles podemos ler: "reage contra a fraqueza - um cálice deste vinho representa um bom bife - à venda nas farmácias".
Numa edição recente da revista Fugas, o enólogo João Paulo Martins discorre deste modo a propósito da convalescença do Presidente de Timor, José Ramos Horta (na sequência de um outro artigo do enólogo David Lopes Ramos, que lhe sugere um Porto 20 anos da Ramos Pinto):
"(...) atendendo a que o destinatário se encontra debilitado, não seria mal recordar que tempo houve em que se produzia um Vinho do Porto especialmente indicado para pacientes em estado de fragilidade, mas ainda assim apreciadores. Os nomes de alguns desses vinhos eram bem sugestivos: Invalid Port (da firma Kopke) e Recuperator Port (da Casa Ferreira). Também os havia em abundância na firma Ramos Pinto e, não raramente, a receita - a bem dizer, é melhor falar em mezinha -, vinha no próprio rótulo, afirmando que o vinho era um tónico reconstituinte, capaz de renovar forças e, quem sabe, dar vida a um morto. Bom exemplo disso é o rótulo do Porto Amândio que aqui se reproduz.
Vamos lá ao cerne da questão. O que é que esses Vinhos do Porto tinham de especial ou de diferente em relação aos restantes? Digamos que eram vinhos «acrescentados», termo que não sei sequer se era utilizado, mas que dá uma ideia do que se pretendia. O acrescento era dado pelas proteínas da carne que se colocava em contacto com o vinho. O processo desenrolava-se mais ou menos assim: já depois do vinho feito eram colocados ossos de vaca nos balseiros, permitindo desta forma que houvesse um enriquecimento do vinho em matéria de proteínas, o tal elemento considerado recuperador de enfermos. O vinho dali resultante era considerado essencialmente um tónico, um remédio, e era vendido como tal (...)"
Excerto e imagem do rótulo in "Fugas", sábado, 29 de Março de 2008 , página 40 (suplemento do jornal Público)
Excerto e imagem do rótulo in "Fugas", sábado, 29 de Março de 2008 , página 40 (suplemento do jornal Público)